Descobri o poema que originou esta canção num livro inteiramente dedicado à obra de Flavio Ferri-Benedetti, que, além de poeta, é um magnífico contratenor de carreira internacional, doutorado cum laude em Línguas e Literaturas pela Universidade de Valência. Daí ser natural a presença de 9 diferentes línguas num só texto, de índole tão pessoal.
Na medida em que tanto o valenciano como o grego clássico – ao contrário do latim, do italiano, do português, do espanhol, do alemão, do inglês e do francês – não são de todo correntes no repertório vocal camerístico que mais frequentemente se pratica em Portugal, segue-se abaixo a transcrição fonética (sílabas tónicas em negrito) dos trechos nestas duas línguas, assim como a íntegra do poema, seguido da sua tradução literal:
Que el cel et protegisca, diu ma llei
kel s?l et proted??iska, diu ma ?ej
Canço callada pendent de cantar
kanso ka?ada penden de cantar
Ε?ν τ?? οι?κ?? α?υτου? τι? δε? ποιει?;
en to ojko awtu ti ðe pojej?
SONETTO LX
(Castellón de la Plana, 21 de octubre de 2016)
Àngele Dei, qui custos es mei
dice piano la voce della mente
– yo, deshecho de ti, discreto, ausente.
Que el cel et protegisca, diu ma llei.
Ε?ντ?? οικ?? α?υτου? τι? δε? ποιει?;
Keine Antwort – bin ohne Fundamente,
estou sem casa, sem olhos, sem frente.
What shall his thoughts be, and what shall he pray?
Comment vis-tu ? Tout seul, qu'est-ce que tu fais ?
Mi hai chiamato angioletto, mi hai tenuto
Nella gioia e nel sangue, ojos de mar,
cançó callada pendent de cantar,
¿Cómo no lloras nuestro doble luto?
Wie leb' ich mit dem eisigen Ade?
Flavio Ferri-Benedetti
(FLORILEGIUM – Antologia Poetica (1999-2016). Levanti editori. Bari, 2017. Pag. 104)
Tradução literal para o português:
Anjo de Deus, que sois o meu guardião…
Diz suavemente a voz da minha mente
– Eu, o teu lixo, discreto, ausente –
Que o céu te proteja, diz a minha lei.
Na sua casa, o que é que ele estará a fazer?
Não há resposta – estou sem fundamentos
Estou sem casa, sem olhos, sem frente
– O que serão os seus pensamentos, e o que rezará?
Como vives tu? O que fazes assim sozinho?
Chamaste-me anjinho, tiveste-me
na alegria e no sangue, olhos de mar,
Canção calada, ainda por cantar
– Como podes tu não chorar o nosso duplo luto?
Como posso eu viver com este gélido ‘adeus’?
Espero que um tanto da força poética e da belíssima voz de Flavio Ferri-Benedetti tenham de alguma forma transpirado para esta composição!
Vasco Negreiros,
Maio de 2017