Sobre esta edição
Esta edição crítica baseia-se na comparação exaustiva da cópia autógrafa com o exemplar pessoal do compositor da edição impressa pela britânica Novello. As outras fontes, embora tenham desempenhado um papel secundário, foram fundamentais para o esclarecimento de dúvidas e discrepâncias, fornecendo informação suplementar preciosa acerca do processo de chegada à versão final. O apógrafo não só regista a primeira versão da obra como exibe as modificações feitas na preparação da segunda versão. A cópia por heliogravura do autógrafo, além de perpetuar uma versão do autógrafo que de outra forma se teria perdido, por ter sido posteriormente alterada, permite observar as modificações feitas na preparação da edição Novello. Apesar de encararmos a cópia pessoal de Lopes-Graça da edição Novello como podendo representar, de um modo geral, as intenções finais do compositor em relação à obra, todas as decisões editoriais foram tomadas após consideração de cada uma das discrepâncias individualmente, cruzando todas as fontes e procurando, em cada circunstância, optar pela versão que, na nossa opinião, fosse mais fiel à vontade de Lopes-Graça. Escolhemos não omitir no aparato crítico informações mais pormenorizadas, porventura menos relevantes para o intérprete, mas úteis, esperamos, a académicos que venham a estudar esta obra ou a futuros editores da mesma.
De certo modo, deseja-se que esta seja uma edição aberta, no sentido em que, apesar de apresentar um texto que pretende reflectir as últimas intenções do compositor e que resulta da comparação minuciosa das fontes disponíveis, fornece ao executante, em certos casos, mais do que uma solução interpretativa. Assim, embora procure ser prática de usar, não sobrecarregando demasiado a partitura, esta edição não deixa de preservar, no texto musical e no aparato crítico, todas as variantes, designadamente as que têm uma influência directa na interpretação da obra. Permite assim ao intérprete o exercício crítico de exploração de diferentes possibilidades interpretativas e técnicas, optando pela que melhor reflicta a sua própria concepção de cada uma das peças, ou melhor se coadune com o seu estilo de execução. Não tencionando que todos os intérpretes mergulhem em questões demasiado pormenorizadas acerca do estabelecimento do texto musical final, não deixa de ser nosso propósito que o pianista, particularmente o mais jovem, tome consciência da importância de uma interpretação informada e reflexiva. Assim, procurámos no comentário crítico justificar as opções tomadas e, nos casos mais problemáticos, fornecer ao intérprete alternativas, utilizando exemplos musicais.
Embora tenham evidentemente um grande interesse, é necessário encarar as dedilhações e outras indicações autógrafas (incorporadas entre parênteses rectos) com alguma reserva e confrontá-las com as informações que Olga Prats vai dando acerca do compositor enquanto intérprete das suas obras (veja-se o comentário ao uso do pedal em A Espanholita). Dito isto, pensamos que todas as anotações, mesmo as claramente de uso pessoal incluídas apenas nas notas, podem ser relevantes para o intérprete.
De modo a facilitar a sua consulta, dividimos as notas em categorias, destacando a negrito, o objecto de cada uma. O académico ou o intérprete com interesse em aprofundar um ou outro aspecto, não necessita, pois, de ler a nota toda para perceber a sua matéria.
Esperamos, assim, que se possa nelas explorar não só as diferentes variantes que as fontes oferecem como outros aspectos que ajudem a melhor conhecer a obra.
O executante que queira examinar apenas casos problemáticos em que se admite que o intérprete possa preferir uma outra versão, designadamente no que diz respeito à distribuição pelas mãos, pode simplesmente consultar as notas com exemplos musicais, (as imagens retiradas das fontes não são consideradas propriamente exemplos musicais, servindo um propósito mais ilustrativo). Pianistas menos interessados em questões editoriais podem optar por não consultar as notas, tendo na própria partitura acesso às alterações ao texto musical que Lopes-Graça fez no seu exemplar da edição Novello, assim como às dedilhações e anotações autógrafas relevantes.
Aconselha-se vivamente o intérprete a consultar os Princípios Editoriais, parte do Comentário Crítico, no final deste volume, após a partitura. Aí encontra uma descrição mais pormenorizada dos critérios que presidiram a esta edição, e poderá esclarecer aspectos passíveis de gerar equívocos, como a utilização dos acidentes.
A grande mais valia desta edição consiste, sem dúvida, no contributo de Olga Prats, fundado no seu conhecimento profundo da obra. Colaboração mais evidente nos comentários a cada uma das peças, mas presente também em aspectos menos visíveis, como no esclarecimento de algumas questões problemáticas, ou na confirmação e identificação de anotações autógrafas do compositor.
Os textos dos comentários de Olga Prats foram redigidos pelo editor a partir de gravações áudio realizadas com a pianista. Assim, o discurso de Olga Prats foi complementado com informação adicional, tendo-se incluído algum conteúdo respeitante às fontes, designadamente às anotações autógrafas no exemplar pessoal de Lopes-Graça da edição Novello. Todos os comentários foram, naturalmente, revistos por Olga Prats. Esta edição, se outro mérito não tiver, regista informações únicas, aproveitando para a revisão e fixação do texto musical e para o comentário às obras a colaboração de quem contactou com o compositor de forma tão estreita.
50 anos após a edição em Inglaterra do Álbum do Jovem Pianista, apenas podemos lamentar que esta obra, como tantas outras, não tenha sido editada no nosso país ainda em vida do compositor, tendo-se desperdiçado a oportunidade de fixar o texto definitivo com a cooperação do seu autor. Esperamos que este trabalho constitua um contributo para que, dentro de 50 anos, não lamentemos que se tenha desperdiçado também o património inestimável de uma intérprete cuja ligação íntima com o compositor e a sua obra ao longo de décadas a torna um elemento chave na edição e nas práticas de execução da obra de Lopes-Graça.
João Espírito Santo