Volume I - Para Crianças
Em 1962, ano em que inicia a composição das Músicas Festivas, Fernando Lopes-Graça muda-se de Lisboa, onde ainda compõe a primeira peça deste ciclo, para um apartamento na Parede. Aí, um pequeno gabinete com um piano vertical passará a ser a oficina do compositor até à sua morte.
Após uma fase emocionalmente dilacerante que culminará nessa obra-prima que é Canto de Amor e de Morte (1961), este ciclo de Músicas Festivas parece inaugurar, simbolicamente, uma nova fase na vida do compositor.
Obras de circunstância, estas peças representam uma forma de Lopes-Graça assinalar acontecimentos festivos, desde bodas a aniversários, oferecendo a música que compusera para a ocasião a amigos e familiares.
Podemos agrupá-las em quatro categorias, segundo as ocasiões a que se destinavam: as dedicadas a crianças, mais curtas e de carácter didáctico – nºs 1-4, 13, 15, 19; as escritas para festejar o aniversário de jovens, três dos quais pianistas – nºs 9, 10, 16, 18 (aqui faz-se sentir de forma especial a generosidade de Lopes-Graça se pensarmos no que uma dedicatória sua representava para um jovem pianista); as escritas para comemorar casamentos de amigos, para uma inauguração e para um jantar – nºs 5-8, 14, 17, 21; finalmente, as que celebram aniversários de velhos amigos e do irmão do compositor, já no ocaso das suas vidas – nºs 11, 12, 20, 22, 23.
Apesar do seu carácter circunstancial e espontâneo, ou por causa dele, as Músicas Festivas são obras de particular interesse na produção de Fernando Lopes-Graça. Desde logo por nos permitirem, porventura de uma forma mais evidente do que em obras de maior fôlego ou maturação, um vislumbre privilegiado do seu ofício de compositor.
De facto, nelas se revela a forma como desenvolve e reaproveita, de diferentes maneiras e em diferentes épocas, ideias que ia guardando na gaveta da sua banca de trabalho – veja-se, a título de exemplo, a forma como o mesmo material é trabalhado nas nºs7 e 16. Percorrendo-as, podemos acompanhar Lopes-Graça no seu mester, no seu labor, na sua constante procura, em relação íntima com o piano.
Permitem-nos ainda as Músicas Festivas o interessante exercício de, num mesmo ciclo de peças, acompanhar a evolução da escrita do compositor ao longo de mais de três décadas, numa diversidade e riqueza de registos e de níveis que vai desde a peça de pendor didáctico mais simples até à mais densa e rica virtuosidade.
Cada uma das obras parece captar de forma magnífica a essência dos seus dedicatários ou da ocasião a que se destinava, havendo, para além do carácter obviamente jubilatório, lugar para um grande lirismo, tão característico do compositor, nas várias secções contrastantes que se vão encadeando sem interrupção, como que num improviso.
Em Abril de 1994, meses antes da sua morte, no mesmo gabinete onde trabalhava desde 1962, ano da primeira Música Festiva, Lopes-Graça acaba de compor a sua última obra – a Música Festiva nº23. Assim se encerrava, significativamente, com o gesto da oferta de uma Música Festiva a um “grande camarada e amigo”, o percurso de um vulto maior da música e da cultura, feito da mais profunda coerência artística e humana.
João Espírito Santo, pianista
Outubro 2012