O título Três Romances sem palavras, op. 51, tal como aparece nesta primeira edição, não foi atribuído por José Vianna da Motta. No seu manuscrito, o compositor limita-se a inserir o subtítulo “Romance sem palavras” em cada uma das três peças que compõem o Opus 51. É precisamente pelo facto de elas possuírem o mesmo subtítulo e de pertencerem ao mesmo opus que o título “Três Romances sem palavras, op. 51” se revela pertinente. Para além disso, as correções feitas pelo compositor aos números de opus da segunda e da terceira peça (“Op. 52” e “Op. 53” são corrigidos por “Op. 51 nº 2” e “Op. 51 nº 3” respetivamente) revelam que Vianna da Motta não tinha previsto inicialmente reunir as três peças num único opus, o que explica talvez a ausência de um título unificador.
Depois de ter rasurado o nome de Oscar Pfeiffer da dedicatória que tinha sido feita no cabeçalho do manuscrito, Vianna da Motta acrescentou ao subtítulo da primeira peça: “composto e dedicado com muita humildade ao meu professor de Piano em Berlim, o Sr. Xaver Scharwenka” (traduzido do francês). Assim, é difícil saber se Vianna da Motta pretendia dedicar o Opus 51 a Xaver Scharwenka ou se apenas pretendia dedicar-lhe a primeira peça.
A julgar pelas datas de composição indicadas por Vianna da Motta no início de cada uma das peças – que se supõe fazerem referência ao término das composições –, poderá sugerir-se a hipótese de que o ciclo dos Três Romances sem palavras, op. 51 tenha sido composto num mês e meio tendo sido necessárias cerca de duas semanas para compor cada uma das peças:
- nº 1, “Meditação”: 15 de Julho de 1882;
- nº 2, “O Crepúsculo”: 31 de Julho de 1882;
- nº 3, “Lamentação”: 16 de Agosto de 1882.
Estas três peças fazem parte das últimas obras compostas por Vianna da Motta antes dele iniciar a numeração de uma nova séria de opus, pelo que os Três Romances sem palavras, op. 51 representam o culminar da sua primeira fase criativa.
O Romance sem palavras op. 51 nº 1, “Meditação”, em fá maior, é construído em torno de um único tema (c. 3-18). Os seus dois primeiros compassos, assim como o seu quinto e sexto compassos, servem de material de transição entre as várias aparições do tema. Fora os sete últimos compassos da peça onde o tema é escrito em aumentação para produzir um efeito de abrandamento, este tema nunca sofre modificações estruturais significativas. Os processos técnicos de composição que estão na base das atmosferas musicais da peça estão relacionados essencialmente com o percurso harmónico e com as variações da decoração da melodia. Depois da primeira enunciação do tema em fá maior no compasso 3, o tema reaparece no compasso 35 mas na tonalidade distante de lá bemol maior. A relação de terceira menor entre as tonalidades de fá maior e de lá bemol maior atua sobre a coloração do tema como elemento de contraste. No que diz respeito às variações sobre a decoração da melodia, o exemplo mais contrastante com a primeira enunciação do tema situa-se a partir do compasso 75, numa passagem em fortissimo maestoso que coincide com o ponto culminante da peça.
É também interessante notar a ambiguidade métrica gerada pela escrita de Vianna da Motta. O acompanhamento escrito em tercinas nos dois primeiros compassos em 2/4 instala a sensação de uma música em 6/8. As colcheias da melodia do compasso 4 não evitam essa sensação já que elas são sentidas como se fossem duínas. É com a introdução de semicolcheias na fórmula do acompanhamento (c. 35) que o compasso 2/4 é sentido como tal. Esta ocorrência instala definitivamente a métrica da peça, mesmo apesar da retoma de tercinas na fórmula do acompanhamento dos compassos 51 a 66.
O Romance sem palavras op. 51 nº 2, “O Crepúsculo”, em lá bemol maior, caracteriza-se pela abundância de semínimas que compõem a melodia e pelos dois motivos rítmicos principais que a acompanham: o motivo composto de colcheias na secção A (c. 1-16) e na secção B (c. 17-39); o motivo composto de tercinas na secção A' (c. 40-58). É na diferença entre estes dois motivos rítmicos que reside o elemento de contraste mais importante da peça: as tercinas da secção A' dão uma maior horizontalidade à condução da melodia e uma maior flexibilidade rítmica aos seus momentos de acalmia do que as colcheias das secções A e B.
Nesta peça, três indicações de expressão musical relativas ao andamento podem parecer contraditórias. A indicação metronómica com base na mínima não coincide com a unidade de tempo imposta pelo compasso em 4/4 e pela escrita da peça à semínima. A análise do manuscrito permite observar que antes dessa mínima, Vianna da Motta tinha escrito uma semínima. Apesar desta última ser coerente com o compasso e escrita da peça, a semínima a 72bpm está longe de traduzir o andamento Allegretto. Vianna da Motta pretendia, por isso, que a unidade de tempo fosse a mínima.
As indicações a tempo e animato do compasso 17 assemelham-se ao significado da expressão musical Quasi tempo primo ma più animato. Dito de outra forma, o a tempo anula o rallentando do compasso anterior e o animato sobrepõe-se ao a tempo. A indicação senza accelerando do compasso 21 recorda que o carácter progressivo do crescendo não deve ser confundido no più animato. Dito de outra forma, o più animato estabelece um novo andamento que não deve ser perturbado pelo crescendo.
O Romance sem palavras op. 51 nº 3, “Lamentação”, em si bemol menor, é construído em torno de dois temas contrastantes acompanhados por um ostinato rítmico de seis colcheias. O primeiro tema (c. 3), com tendência descendente, é construído essencialmente sobre as notas da harmonia. O segundo tema (c. 19), com tendência ascendente, destaca-se sobretudo pela sua componente cromática. Apesar da natureza repetitiva do acompanhamento, esta peça exige uma certa maleabilidade rítmica. Ela encerra um grande número de expressões musicais que afetam o seu tempo (por exemplo, os termos ritardando e rallentando aparecem seis vezes cada um, três das quais na Cadenza a piacere do compasso 66). Para além disso, as grandes transformações melódicas dos compassos 47 e 51-52 exigem que o andamento seja flexível: a abundância de notas num curto espaço de tempo implica que este sofra uma ligeira dilatação (ideia que é corroborada com o a piacere do c. 47). Ademais, essas transformações precedem sempre a conclusão do tema principal (facto que é corroborado com a pequena variação do c. 13-14).
É ainda de notar as semelhanças do percurso harmónico e das indicações de expressão musical entre a peça de Vianna da Motta e o Noturno op. 9 nº 1 de Chopin. Em ambas as peças, a secção A apresenta-se em si bemol menor sob as indicações piano e espressivo; a secção B inicia-se em ré bemol maior sob a dinâmica pianissimo e passa pela tonalidade distante de ré maior (no noturno de Chopin isto sucede-se por quatro vezes); a secção A' retoma o primeiro tema em si bemol menor. Além disso, a importância da atração que a nota fá exerce sobre a nota sol bemol nestas duas peças reforça a hipótese do Noturno op. 9 nº 1 de Chopin ter inspirado Vianna da Motta na composição desta peça.
João Costa Ferreira