Tema e Variações
Prefácio
Bernardo Santos
O Tema e Variações de Frederico de Freitas é mencionado pela primeira vez em 1945 numa carta do pianista e professor de piano Lourenço Varella Cid (1898-1987) ao compositor. No entanto, a data de composição apresentada no manuscrito dedicado a Varella Cid remonta a 1944. Na carta em questão, o pianista agradece o facto de ser o dedicatário do Tema e Variações, revelando bastante interesse e agrado na obra. Refere ainda que se encontra a preparar um projecto “um tanto novo e fora do habitual”1, em que a viria a incluir. Existem duas outras cartas, escritas por Varella Cid, datadas de 8 de Setembro de 1946 e de 17 de Setembro de 1946. Na primeira, o pianista refere que iria recomeçar a estudar o Tema e Variações após terminar as suas férias. A carta de 17 de Setembro surge como resposta a uma ideia de Frederico de Freitas de realizar um concerto constituído somente por obras suas. Nesta última carta, Varella Cid manifesta-se disponível e receptivo em relação a tocar neste concerto, pedindo, no entanto, que o concerto em causa se realize no início da época. Tal pedido deve-se à intenção do pianista de apresentar um concerto no início do ano, em que seria incluído o Tema e Variações. Há que salientar que todas as cartas referidas são remetidas ao compositor, não havendo assim possibilidade de estudar directamente o que este terá escrito a Varella Cid relativamente ao Tema e Variações.
Embora Frederico de Freitas tivesse a intenção de realizar um concerto constituído por obras suas, não há registos que este concerto tenha alguma vez acontecido. No entanto, existe um cartaz, datado de 31 de Janeiro de 1947, relativo a um concerto de Lourenço Varella Cid, no Teatro Tivoli, em Lisboa, que refere a primeira audição da obra.
O único registo disponível no espólio de Frederico de Freitas de uma performance posterior do Tema e Variações é datado de 6 de Junho de 1973. Esta obra, interpretada por Florinda Santos ao piano, integrou o concerto comemorativo do 70º aniversário de Frederico de Freitas, na Academia de Amadores de Música, em Lisboa, tendo sido apresentadas unicamente obras do compositor.
A obra para piano de Frederico de Freitas é vasta e diversificada, focando-se em peças de menor dimensão. Inclui peças destinadas a estudantes e jovens, como o Livro da Maria Frederica, peças breves e duas obras de maiores dimensões: a Sonata e o Tema e Variações. Esta última é constituída por tema, quatro variações, uma fuga, um retomar do tema e uma marcha com duas secções.
As qualidades e o trabalho de maestro de Frederico de Freitas são notórios no seu Tema e Variações. A concepção geral da obra é predominantemente orquestral, tal como se verifica em vários momentos desta, em particular na variação Alla Marcia e no Scherzando. A forma como o material é tratado, quer melodicamente, quer harmonicamente, sugere influências neoclássicas, enquadrando-se assim na época em que foi composto.
O tema desta obra apresenta-se na tonalidade de Ré maior e alude a características reminiscentes da música tradicional portuguesa, em ambiente calmo e sempre com a presença de dissonâncias.
Na primeira variação, em Ré menor, apesar de não se encontrar a melodia do tema, o contorno melódico transmite a sensação que o mesmo está presente. Além disso, a primeira figura rítmica é idêntica ao ritmo inicial do tema, repetindo-se continuamente ao longo da variação. Esta variação é a mais curta da obra e a única que apresenta repetição.
A segunda variação retoma a tonalidade de Ré maior. Com um andamento Quasi Presto, apresenta uma combinação de intervalos de terceira e quarta na mão direita e, na mão esquerda, pequenos motivos que completam a ideia apresentada pelas notas duplas. Este momento da obra é predominantemente cromático e bastante variado, a nível de dinâmicas.
A terceira variação, Adagio molto, na tonalidade de Fá menor, apresenta carácter polifónico, com vários momentos a quatro vozes. Construída sobre um curto motivo de notas repetidas, é possível encontrar uma semelhança entre este motivo (c. 94) e a segunda parte do tema, na sua repetição (c. 25), sendo talvez essa a origem da concepção desta variação.
Estruturalmente, verifica-se a presença de uma forma ABA com coda. Esta variação termina com uma dissonância e consequente resolução para o acorde de Ré bemol maior, tonalidade da variação seguinte, estabelecendo uma ligação entre estes dois momentos.
A quarta variação destaca-se pelo ambiente rústico; de facto, logo após a indicação Allegro Comodo, o compositor coloca, entre parênteses, em ar de dança rústica. Este novo momento da obra inicia-se com o tema em movimento inverso e com a mesma figura rítmica. A proximidade ao tema é sugerida através da sonoridade rústica, semelhante a canções tradicionais, agora bem mais presente e significativa que no tema. O compositor recorre também à utilização de dissonância e polifonia, indo de encontro à linha melódica simples do início da variação. Tal como a variação anterior, é possível enquadrar esta variação numa estrutura ABA, terminando depois com uma coda.
A Fuga do Tema e Variações pode ser vista como o núcleo de toda esta obra: situa-se aproximadamente a meio da obra, é a secção de maiores dimensões e de maior dificuldade pianística, além de ser a mais elaborada numa perspectiva composicional. Na tonalidade de Sol maior, o tema da Fuga apresenta, logo de início, um salto descendente de 6ª menor e ritmo pontuado, podendo estabelecer-se uma ligação com o tema geral da obra. Polifonicamente, esta Fuga apresenta, na maior parte do tempo, duas vozes, existindo uma terceira voz em alguns momentos. Ao longo desta Fuga é possível verificar-se várias técnicas de composição contrapontísticas, combinadas com uma escrita virtuosística. Este momento do Tema e Variações termina com uma cadência suspensiva, permitindo ao compositor retornar ao tema inicial. Tal como o final da Fuga, o retomar do tema termina também em cadência suspensiva, assegurando a transição para a variação seguinte.
A quinta variação, Alla Marcia, inicia-se com um motivo que, quer pelo seu carácter, quer pelas indicações do compositor, pode ser associado a música marcial. Este momento inicial desagua num segundo motivo caracterizado por dissonâncias na mão direita e ritmo pontuado, oriundo do tema original, na mão esquerda. Após um breve desenvolvimento, ambos os motivos se repetem, noutra tonalidade, dando lugar ao Scherzando final. Segundo André Vaz Pereira, este Scherzando, apesar de estar incluindo na variação Alla Marcia, pode ser considerado uma coda2. Efectivamente, surge um novo motivo nesta secção, o último desta obra, sob a forma de uma breve fuga. Aqui, o compositor une as técnicas formais apresentadas anteriormente na Fuga ao carácter rústico do tema e de algumas variações, sendo possível encontrar reminiscências de cada variação. Este Scherzando culmina na apresentação do motivo desta secção no registo mais agudo, com o ritmo pontuado da Alla Marcia a acompanhá-lo, no registo mais grave do piano. Após este momento, a dinâmica vai diminuindo gradualmente, terminando de seguida num conjunto de acordes em fortíssimo súbito.
Há que salientar que, no manuscrito dedicado a Lourenço Varella Cid, o compositor colocou a data “1/2/1944” no final da quarta variação, Allegro Comodo. É possível assumir que, num primeiro momento, Frederico de Freitas poderá ter considerado a obra concluída com esta variação. O acréscimo de uma fuga, da repetição do tema e de duas variações poderá sugerir que o desenvolvimento da obra foi realizado a posteriori. Esta explicação é, obviamente, especulativa.
Não existe qualquer menção a esta data nas cartas endereçadas a Frederico de Freitas por Varella Cid, existentes na Biblioteca da Universidade de Aveiro. Efectivamente, esta data surge apenas no manuscrito dedicado a Lourenço Varella Cid. Todas as demais versões conhecidas existentes, com ou sem autógrafo do compositor, não apresentam a referida data.