Variações: Domino Noir
O manuscrito desta obra encontra-se na área de Música da Biblioteca Nacional. Trata-se um manuscrito em boas condições de conservação e leitura que apresenta, por vezes, emendas e algumas páginas com colagens. Só foi possível encontrar uma única fonte desta obra, sendo a sua cota “Variações: Domino Noir” C.N.550. Só foi encontrada a parte geral (piano e violino). O facto de só existir uma fonte apresenta alguns problemas que são necessários ultrapassar no sentido de se conseguir realizar uma edição coerente e exequível. Os maiores problemas encontrados estão relacionados com: dinâmicas; articulações; métrica. No manuscrito com a parte geral, as indicações de dinâmica aparecem, salvo raríssimas exceções, apenas na parte de piano. Optou-se por aplicar à parte de violino solo as mesmas indicações de dinâmica que aparecem na parte de acompanhamento. Excecionalmente, foram alteradas e acrescentadas indicações de dinâmica que seguem a linha melódica do violino, sendo, neste caso, claramente uma abordagem pessoal. Ao nível da articulação, a escrita apresenta inúmeras inconsistências no que diz respeito ao uso de ligaduras. Em primeiro lugar, nalgumas frases, o tipo de escrita não nos permite perceber exatamente onde começa, ou acaba, a ligadura. Por vezes, em frases ou figuração repetidas, a articulação não é sempre igual, deixando-nos a dúvida da verdadeira intenção do compositor. Isto é, se se pretende que haja contrastes na articulação ou se apenas, como era prática corrente, assumir que a articulação, uma vez apresentada numa frase, se deveria manter inalterada até ao fim. No que diz respeito à métrica, surgiram questões em que houve necessidade de alterar o ritmo escrito para manter o número de tempos do compasso estabelecido. Outro tipo de problema encontrado, que neste caso tem mais a ver com a execução das obras, prende-se com a escassez de indicação de dedilhações, apesar de, ocasionalmente surgirem apontamento sobre a corda em que se deve tocar determinada nota ou passagem. Os harmónicos estão indicados com o número zero e, por vezes, também com a palavra “harmónicos”, escrita por cima da passagem a realizar, não indicando como deveriam soar, uma oitava acima, ou duas ou a nota real. As indicações de tempo colocadas pelo compositor são respeitadas, tendo sido acrescentados alguns ralentandos para criar alguma ênfase em determinados finais de frase. A linha melódica do violino sugere, com a sua escrita, um carácter específico em cada tema, por exemplo, lírico ou, em contraste, virtuosístico. A parte de piano é baseada numa escrita simples e destina-se, claramente, apenas ao acompanhamento do solista, não tendo nenhum momento de relevo ou de grande importância no discurso musical. Os poucos momentos em que o piano se encontra a solo são os inícios das peças e em pontes criadas na mudança de tema ou variação. Em dinâmicas mais intensas, a parte de piano é composta por oitavas, não em todos os casos, para dar a sensação de preenchimento, e em dinâmicas menos intensas as melodias tornam-se muito simples, em comparação com a parte de violino que é extremamente virtuosística.
As “Variações: Domino Noir” são baseadas na ópera cómica em 3 atos de Daniel Auber “Le Domino Noir”. As três variações desta obra tomam como tema a ária “Je suis sauvee enfim”. A peça inicia-se com uma pequena introdução de piano a que se segue uma secção em estilo de cadência, com pequenas frases de carácter virtuosístico, entrecortadas com pequenos apoios de piano, que nos conduz a uma passagem de carácter melódico com o respetivo acompanhamento, terminando com uma verdadeira cadência para violino. Até aqui tudo foi integralmente constituído com material da autoria do compositor. A secção cadencial é bastante virtuosa, com escalas descendentes rápidas e arpejos realizados em terceiras, quartas e sextas. A melodia apresentada no compasso 31 tem um carácter contrastante, lírico e, pela sua escrita, apresenta características muito próximas das melodias da ópera. A apresentação do tema que dará origem às variações surge no compasso 86. A tonalidade escolhida por Noronha é diferente do original, sendo que este último está em Sol Maior e as variações de Noronha em Ré Maior.
A investigação realizada sobre o compositor ajudou a perceber os obstáculos que Sá Noronha teve de ultrapassar para romper por entre as fileiras de músicos seus contemporâneos, particularmente em Portugal, para dar a conhecer a sua música. Toda a sua história parece indicar que teria um grande talento como violinista e compositor e, apesar de as suas obras para violino e piano não serem muito conhecidas na atualidade, terão tido algum impacto no seu tempo e representam uma parte da história da música portuguesa que não deve ser negligenciada. Nos dias de hoje, ainda são poucos os trabalhos que abordam este compositor na tentativa de o fazer irromper das sombras da história para a luz do dia. O material de pesquisa que se pode obter sobre ele encontra-se, em Portugal na Biblioteca Nacional. Tal facto não impede que não existam mais manuscritos, ou biografias sobre Noronha fora do País. Sabendo-se que ele viajou por uma parte do mundo, a sua música pode estar espalhada por vários países, bem como informações ainda desconhecidas sobre a sua técnica do instrumento e modo de composição. Sendo que Noronha passou grande parte da sua vida no Brasil, é provável que por lá existam mais fontes acerca do seu trabalho musical. Ao ser editada, esta obra para violino e piano visa cultivar o interesse sobre este músico ainda tão pouco conhecido, e reconhecido, na atualidade. As “Variações: Domino Noir” poderá fazer parte do repertório violinístico português, que tem vindo a crescer cada vez mais com o passar dos tempos seja com obras de outros séculos ou obras nossas contemporâneas, e ser divulgada através de diversas interpretações.