Fantasia sobre um thema original
O manuscrito desta obra encontra-se na área de Música da Biblioteca Nacional. Trata-se de um manuscrito em boas condições de conservação e leitura que apresenta, por vezes, emendas e algumas páginas com colagens. Só foi possível encontrar uma única fonte desta obra, sendo a sua cota “Fantasia sobre um thema original” C.N.546. Só foi encontrada a parte geral (piano e violino). O facto de só existir uma fonte apresenta alguns problemas que são necessários ultrapassar no sentido de conseguir realizar uma edição coerente e exequível.
Os maiores problemas encontrados estão relacionados com: dinâmicas; articulações; métrica. No manuscrito com a parte geral, as indicações de dinâmica aparecem, salvo raríssimas exceções, apenas na parte de piano. Optei por aplicar à parte de violino solo as mesmas indicações de dinâmica que aparecem na parte de acompanhamento. Excecionalmente, foram alteradas e acrescentadas indicações de dinâmica que seguem a linha melódica do violino, sendo, neste caso, claramente uma abordagem pessoal.
Ao nível da articulação, a escrita apresenta inúmeras inconsistências no que diz respeito ao uso de ligaduras. Em primeiro lugar, nalgumas frases, o tipo de escrita não nos permite perceber exatamente onde começa, ou acaba, a ligadura. Por vezes, em frases ou figuração repetidas, a articulação não é sempre igual, deixando-nos a dúvida da verdadeira intenção do compositor. Isto é, se pretende que haja contrastes na articulação ou apenas, como era prática corrente, assumir que a articulação, uma vez apresentada numa frase, se deveria manter inalterada até ao fim.
No que diz respeito à métrica, surgiram questões em que houve necessidade de alterar o ritmo escrito para manter o número de tempos do compasso estabelecido. Outro tipo de problema encontrado, que neste caso tem mais a ver com a execução das obras, prende-se com a escassez de indicação de dedilhações, apesar de, ocasionalmente, surgirem apontamentos sobre a corda em que deve tocada determinada nota ou passagem. Os harmónicos estão indicados com o número zero e, por vezes, com a palavra “harmónicos”, escrita por cima da passagem a realizar, não indicando como deveriam soar, uma oitava acima, ou duas, ou a nota real.
As indicações de tempo colocadas pelo compositor são respeitadas, tendo sido acrescentados alguns ralentandos para criar algum ênfase em determinados finais de frase. A linha melódica do violino sugere, com a sua escrita, um caráter específico em cada tema, por exemplo, lírico ou, em contraste, virtuosístico. A parte de piano é baseada numa escrita simples e destina-se, claramente, apenas ao acompanhamento do solista, não tendo nenhum momento de relevo ou de grande importância no discurso musical. Os poucos momentos em que o piano se encontra a solo são os inícios das peças e em pontes criadas na mudança de tema ou variação. Em dinâmicas mais intensas, a parte de piano é composta por oitavas, não em todos os casos, para dar a sensação de preenchimento, e em dinâmicas menos intensas as melodias tornam-se muito simples, em comparação com a parte de violino que é extremamente virtuosística.
Esta Fantasia é uma das poucas obras para violino e piano solista em que Noronha usa um tema original, não sendo, portanto, baseada em material ou nalgum tema já existente. Começa com uma introdução do piano diferente dos temas que, a seguir, serão apresentados pelo violino. Apesar de a obra estar na tonalidade de Ré Maior, a entrada do violino, que começa em estilo de cadência, dá-se na relativa Menor, isto é, em Si Menor. Esta secção acaba com um acorde em Lá Maior. Este acorde, enquanto Dominante de Ré Maior, estabelece, finalmente, a tonalidade da obra, terminando assim a introdução e dando início à apresentação do primeiro tema da obra.
Este tema tem um carácter bastante lírico, muito próximo de uma ária de ópera, o que revela o interesse do compositor por este género e pelo tipo de melodias que este escolhe, e neste caso cria, como base para as suas composições para violino. Esta secção é bastante rápida e incorpora duas pequenas cadências. O Allegro do compasso 91 surge como uma variação ao tema apresentado. É baseado numa escrita com carácter bastante virtuosístico. O Più Vivo do compasso 120 apresenta uma segunda variação do tema utilizando, na sua maioria, harmónicos. No final desta variação, o compositor cria uma ponte, feita pelo piano, para repetir o tema original que, desta vez, é desenvolvido de modo a criar uma ligação com o final da obra. Este desenvolvimento é composto por sequências muito semelhantes entre si, que dão lugar à última cadência da obra acabando numa suspensão sobre o V grau da tonalidade de Ré Maior, dando lugar à última secção, o Allegro.
A obra acaba com uma série de acordes de Ré Maior, sendo que a última nota é a tónica desta tonalidade.
A investigação realizada sobre o compositor ajudou a perceber os obstáculos que Sá Noronha teve de ultrapassar para romper por entre as fileiras de músicos seus contemporâneos, particularmente em Portugal, para dar a conhecer a sua música. Toda a sua história parece indicar que teria um grande talento como violinista e compositor e, apesar de as suas obras para violino e piano não serem muito conhecidas na atualidade, terão tido algum impacto no seu tempo e representam uma parte da história da música portuguesa que não deve ser negligenciada.
Nos dias de hoje, ainda são poucos os trabalhos que abordam este compositor na tentativa de o fazer irromper das sombras da história para a luz do dia. O material de pesquisa que se pode obter sobre ele encontra-se, em Portugal na Biblioteca Nacional. Tal facto não impede que não existam mais manuscritos, ou biografias sobre Noronha fora do País. Sabendo-se que ele viajou por uma parte do mundo, a sua música pode estar espalhada por vários países, bem como informações ainda desconhecidas sobre a sua técnica do instrumento e modo de composição. Sendo que Noronha passou grande parte da sua vida no Brasil, é provável que por lá existam mais fontes acerca do seu trabalho musical. Ao ser editada, esta obra para violino e piano visa cultivar o interesse sobre este músico ainda tão pouco conhecido, e reconhecido, na atualidade.
A obra “Fantasia sobre um thema original” poderá fazer parte do repertório violinístico português, que tem vindo a crescer cada vez mais com o passar dos tempos seja com obras de outros séculos ou contemporâneas, e ser divulgada através de diversas interpretações.