Após tentativas infrutíferas junto da editora Bote & Bock e da editora Breitkopf & Härtel, José Vianna da Motta obteve, em maio de 1887, acordo da editora Steyl & Thomas para publicar a sua Fantasiestück, op. 2 (Peça de fantasia, op. 2). Esta edição princeps parece ser a versão mais antiga da sua obra uma vez que não se conhece a existência de manuscrito. Com efeito, alguns manuscritos de obras publicadas em vida encontram-se perdidos, Vianna da Motta tendo, provavelmente, destruído-os. A editora Musicoteca publicou a Fantasiestück, op. 2 em 1996 tendo corrigido algumas gralhas da edição princeps e tendo acrescentando outras gralhas. A edição que apresentamos resulta de um trabalho de revisão das duas edições anteriores, tendo sido dada primazia à edição princeps nos casos de divergência de conteúdos. São ainda corrigidos erros comuns às duas primeiras edições.
Vários trabalhos sobre a vida e obra de Vianna da Motta referem-se à Fantasiestück, op. 2 como tendo sido composta por volta de 1884. A leitura dos diários de Vianna da Motta permite precisar a data da sua composição. A primeira referência à Fantasiestück, op. 2 data de abril de 1885, altura em que Vianna da Motta apresenta a sua obra nas aulas de composição de Philipp Scharwenka. É em inícios de junho desse ano que Vianna da Motta dá por terminada a composição da sua obra, muito embora ele a corrija ocasionalmente até à sua publicação em 1887. Nesse mês de junho, o seu então professor de piano Xaver Scharwenka aconselha-o a escrever uma introdução para a Fantasiestück, op. 2 “porque assim o tema faria mais efeito, como se nota na repetição”, segundo as palavras de Xaver Scharwenka que Vianna da Motta cita nos seus diários (cf. entrada de 19 de junho de 1885 do Diário 3, in Diários (1883-1893), coord. de Christine Wassermann Beirão, trad. de Elvira Archer). Não se sabe ao certo se esta ideia chegou a ser concretizada ou se a barra de repetição no compasso 8a é o fruto dessa sugestão. Por outro lado, sabe-se, através dos apontamentos de August Göllerich, que Vianna da Motta tocou a sua Fantasiestück, op. 2 para Franz Liszt aquando de um estágio de piano em Weimar no verão de 1885. É possível que Vianna da Motta tenha recebido também de Liszt conselhos relativos à interpretação e à composição que o tenham levado a fazer alterações à sua obra.
Muito embora tenha sido publicada várias vezes e gravada por alguns pianistas como António Rosado e Jean Alexis Smith, a Fantasiestück, op. 2 de José Vianna da Motta tem sido ignorada ou esquecida.
Na Fantasiestück, op. 2 opõem-se, entre cada uma das secções (A, B e A’), duas atmosferas musicais distintas: uma serena (em A e A’), outra dramática (em B). As secções A (c. 1-33) e A’ (c. 101-138) estão escritas em estilo de melodia acompanhada com uma voz intermédia escrita em contraponto. A tonalidade de mi maior, o andamento Tranquillo e a dinâmica piano em A, o andamento Più lento della prima volta e a dinâmica Più piano della prima volta em A’, as seis primeiras notas do tema escritas sob uma escala diatónica ascendente e o acompanhamento constante de semicolcheias participam na construção da atmosfera luminosa e serena destas secções. A secção B (c. 34-100) apresenta uma escrita mais vertical, sincopada e com poucos momentos de contraponto. A tonalidade de mi menor, o andamento Molto agitato, as seis primeiras notas do tema escritas sob uma escala diatónica descendente, os crescendi molto e os accelerandos até ao Presto marcato fortissimo e furioso do compasso 78 participam na construção da atmosfera sombria, agitada e dramática da secção B.
A frase melódica do Quasi Recitativo dos compasso 28 a 33, que serve de transição entre as secções A e B, pode ser analisada em dois segmentos contrastantes, compostos de três compassos cada um: um primeiro segmento onde a parte inicial do tema principal (c. 1-2) aparece em dó maior, sob a dinâmica fortissimo e com sinais de marcato; um segundo segmento, em mi menor, sob a dinâmica piano e com sinais de legato, onde aparece a melodia do primeiro segmento com os intervalos melódicos alterados. Esta frase reaparece no Grave marcato dos compassos 85 a 93 da secção B com uma transformação melódica no primeiro motivo de quatro colcheias, transformação já apresentada no compasso 80. É, contudo, da diferença entre os revestimentos desta melodia no Quasi Recitativo e no Grave marcato que nasce o contraste entre estas duas passagens. Este processo composicional, ao qual se poderá chamar de “variação sobre a decoração da melodia”, é igualmente utilizado nos compassos 132 e 133 do Più lento ma non troppo da secção A’. Nesta passagem, que pode também ser considerada como uma Coda, a parte inicial do tema principal em dolcissimo aparece, pela primeira vez, acompanhada de tercinas de semicolcheias, sob a dinâmica pianissimo e a indicação una corda que lhe conferem um carácter mais celestial do que as anteriores aparições do tema.
João Costa Ferreira