Revisão crítica e redução para piano [2005]:
Luís Carvalho
“Deuxième Concerto pour la Clarinette avec Orchestre”
Duração aproximada: 19 min. [8+4+7].
Orquestra: 2 fl./2 ob./2 cl./2 fag./2 trpa./2 trpt./1 trbn. bass/timp./cordas
PREFÁCIO
A partir deste “Segundo Concerto” inicia-se uma progressiva assimilação da cultura operática, essencialmente italiana, na obra concertística de José Avelino, facto que não é com certeza alheio à sua ocupação como solista da orquestra de ópera do Teatro S. Carlos, em Lisboa. O primeiro andamento (Allegro maestoso), por exemplo, assemelha-se muito a uma cavatina, pois à parte a introdução da orquestra (que anuncia um dos temas mais tarde desenvolvidos pelo solista) não existe qualquer reexposição do material temático, tal como acontece nas cavatinas vocais operáticas. Aliás a entrada do clarinete, quase um recitativo acompanhado (cc.61 [com anacruse] a 64), enuncia desde logo uma atitude alla bravura bem ao estilo da ópera italiana. Mesmo o segundo grupo de temas (ou material temático secundário) é antecipado por uma breve cadenza [c.120], que lembra, mais uma vez, as grandes árias dos mestres italianos, com os seus momentos especificamente reservados à demonstração de virtuosismo. Este primeiro andamento é relativamente conciso, e cerca de um terço da sua duração é ocupada com o tutti introdutório (60 de 186 compassos), bem como os vinte e três últimos compassos (cc.164-186), ficando outrossim reservado ao solista, grosso modo, toda a secção intermédia (salvo brevíssimos apontamentos orquestrais). Conforme já referido não existe recapitulação do material temático, tratando-se portanto basicamente de uma forma binária com introdução (orquestral) e uma coda (igualmente orquestral). Toda a grande secção intermédia (cc.61 [com anacruse] a 164) está reservada ao solista, que enuncia e desenvolve uma série de motivos temáticos dos quais apenas a secção na tonalidade da dominante, Fá Maior (cc.121 [com anacruse] a 164), é recuperada da introdução orquestral. Este tema, ao contrário do que seria de esperar, não conduz a música de novo ao tom principal (Sib Maior), antes concluindo a intervenção do solista no tom da dominante (Fá Maior). Este é um facto curioso, mas explicável pela opção de Canongia por terminar este primeiro andamento de forma inconclusiva, preparando já o andamento lento que se seguirá. De facto a coda final do Allegro maestoso progride tonalmente até à dominante do tom relativo menor da tonalidade da dominante, que, passe a confusão do jargão técnico, é uma relação considerada próxima. Assim, partindo de Fá Maior (tom da dominante do tom principal, Sib Maior), a música evolui até repousar em Lá Maior, a dominante de ré menor (tom relativo da dominante-Fá Maior). Ré menor será, aliás, precisamente o tom do andamento seguinte, o lento central.
O Andantino sostenuto retoma basicamente a forma binária simples do andamento anterior (portanto sem desenvolvimento), mas é, porém, monotemático, não existindo real contraste entre material temático principal e secundário, antes uma variação constante dos mesmos motivos melódicos (tal havia já acontecido no “Primeiro Concerto”). No essencial o tema enunciado logo de entrada pelo solista é apresentado duas vezes: na primeira (cc.1-22) progride até ao tom da dominante (Dó Maior) do tom relativo (Fá Maior); na segunda (cc.25-46), parte novamente do tom principal (ré menor), e progride até ao tom homónimo (Ré Maior). Segue-se uma breve coda que mais não serve do que para modular para o tom da dominante (Fá7) de Sib Maior, que é o tom principal da obra e é também o tom do andamento seguinte, o terceiro e último.
No derradeiro Allegro vivace amplia-se a forma dos andamentos precedentes, transformando-a agora num claro esquema bi-temático (tipo allegro-sonata, mas sem desenvolvimento). As duas secções temáticas são aqui bem distintas (cc.1-60 e 60-150), sendo que para introduzir a recapitulação dos temas Canongia usa o artifício de intercalar uma cadenza entre exposição e reexposição. Recuperam-se alguns motivos do Allegro maestoso inicial (nomeadamente cc.130-135 – cf. com cc.113-115 de I), sendo que, aliás, toda a parte final da reexposição aqui em III (cc.264-320) é recuperada, com algumas poucas alterações, de I (cc.135-164). A coda, relativamente extensa (cc.320-368), constrói-se essencialmente à volta da harmonia de Sib Maior e do ritmo de semicolcheias, utilizando alguns curtos motivos do segundo grupo de temas. Este é também um dos raros pontos onde, apesar de o solista estar a tocar, Canongia dá finalmente alguma importância à orquestra, criando uma teia de solos no oboé e flauta, ao passo que o clarinete (solista) assume, momentaneamente, um papel acompanhador.
Finalmente de referir o facto curioso de na instrumentação deste e de todos os próximos concertos Canongia clarinetes di ripieno. Não era prática comum no período clássico-romântico utilizar instrumentos idênticos ao solista na orquestra que acompanha, muito pelo contrário, até numa perspectiva de realçar o timbre do solista. Porém não é discernível se a opção de Canongia neste caso é meramente circunstancial ou se terá havido alguma razão específica. Do ponto de vista musical não é dada qualquer importância aos clarinetes da orquestra no decorrer da obra, pelo que a justificação de que terá Canongia simplesmente escrito para o agrupamento que tinha disponível, parece ser a mais plausível.