A conversa da afinidade cultural atlântica ou ibero-americana é, muitas vezes, mais baseada em desejos do que em factos. Nem sempre é fácil conciliar duas visões do mundo: uma, sul-americana, supostamente mais sentimental e espontânea (oiça-se bossa nova ou nuevo tango), outra, portuguesa, mais contida e melancólica (fado). Acontece que esses conceitos são verdadeiros, sim, mas certamente insuficientes para descrever as duas visões. Ou seja, também há sinais de fatalismo e algo de taciturno na música sul-americana como há algo de festivo na música popular portuguesa. Para percebermos isso, na verdade, temos que nos libertar dos clichés, das baias, e começar a falar, a rir, a pensar e a tocar uns nos outros e uns com os outros. Conhecermo-nos. Vivermos! Este disco é a concretização dessa vivência. Pertence pois à categoria dos factos que corporizam na prática a tal afinidade transatlântica. Em cada música saltamos de um lado para o outro, cada vez mais cúmplices na diversidade. Em In-Out estamos no Brasil, e em Milongaglila entramos claramente na Argentina. Chegamos a Portugal com Ana Cigana e partimos rumo à América com o jazz de Momentum I. E assim, ao longo do disco, andamos numa espécie de vadiagem que nos leva de volta a todo o lado, nunca deixando nada definitivamente para trás. Estamos sempre de partida como estamos sempre de regresso. E o mesmo com os temperos: este é um disco com sentimento e espontaneidade, mas também conceptual e racional. É popular e erudito (como o próprio título, Moderato Tangabile, deliciosamente indicia), estruturado e improvisado. É uma prova de que os contrastes podem gerar não um divórcio mas um belo casamento, dinâmico e apaixonado, entre as tais visões de aquém e além mar. Um casamento ainda mais luminoso e original por colocar lado a lado dois instrumentos que raramente se coligam. Não haverá por aí muitos discos para tuba e piano. Como não haverá, por certo, uma dupla como Daniel Schvetz e Sérgio Carolino. Ambos mestiços, culturalmente ecuménicos, moldados pela cultura clássica e pela cultura popular, simples e complexos, cerebrais e emocionais. Ambos, em suma, encantados com o mundo das possibilidades de quem gosta de se aventurar por novos e velhos trilhos sem distinção de credos.
João Almeida
Director da Antena 2, RDP