BREVE NOTA HISTÓRICA
Pedro António Avondano (1714-1782) foi um dos músicos mais influentes na vida musical portuguesa da sua geração, o que ficou confirmado pelo processo de Habilitação à Ordem de Cristo (1768), pela relevância das suas funções no seio da Irmandade de Santa Cecília, (presidiu ao processo de reorganização da Confraria em 1765), mas sobretudo, pela vasta circulação e reconhecimento da sua música num importante circuito cosmopolita.
A funcionar pelo menos desde 1761, a Casa da Assembleia do Bairro Alto anunciou em 1766 um concerto sob a designação significativa de “Caza da Assembleia das Nações Estrangeiras, no fim da rua da Cruz onde mora Pedro Antonio Avondano”. Esta Assembleia teve um papel importante no processo de implementação de novas práticas culturais, nomeadamente a música instrumental e a dança. Para a disseminação da prática social da dança foi determinante a publicação de três tratados em Portugal na segunda metade do século XVIII: de Joseph Thomas Cabreira, Arte de Dançar à Franceza (1760); de Julio Severin Pantezze, Explicaçam para aprender com perfeição a dançar as Contradanças (1761); e de Natal Jacome Bonem, Tratado dos principais fundamentos da Dança (1767). O segundo dos tratados foi, aliás, “oferecido aos dignissimos assinantes da casa da Assembleia do Bairro Alto”, complementando aqueles outros, ambos dedicados ao minuete.
A produção de minuetes de Pedro António Avondano para a sua Assembleia, constitui-se como um corpus importante que testemunha esta mesma valorização do minuete enquanto dança prima. As três coleções de Lisbon minuets de Pedro António Avondano (ca. 1765-1770) impressas em Londres, constituiram-se como um caso paradigmático de circulação cosmopolita sendo especificamente identificadas no título de capa com o contexto da Assembleia das Nações Estrangeiras de Lisboa dirigida pelo compositor. Este conjunto de 46 minuetes publicados em três livros resultou de uma seleção feita a partir de um livro manuscrito que reuniria um conjunto alargado, de acordo com o seu Inventário orfanológico que refere a existência de um Masso de Originais de Danças, que se presume serem os minuetes autógrafos. Considerado o contexto pode presumir-se a eventualidade destas danças serem executados pelo próprio compositor no violino e outros músicos muito próximos, eventualmente até familiares. Os três livros de Pedro António Avondano são a seguir apresentados pela ordem de publicação provável. Refira-se que a circulação da música, mesmo que impressa, fazia-se em grande medida através de cópias manuscritas, não raras vezes vendidas nos mesmos armazéns que comercializavam a música publicada. O manuscrito encadernado Minuetti a due Violini, trombe e Basso (VM7 6764 - BnF) constitui-se como uma cópia cuidada, de uma só mão, produzida em Portugal, entre as décadas de 1770 e 1780. Para além de incluir alguns dos minuetes impressos contém um conjunto de oito inéditos. O título Minuetes de Paris deve-se à sua localização na Biblioteca Nacional de França em Paris. Importa sublinhar que estamos numa época em que os recursos disponíveis, mais do que as regras de procedimento, condicionavam a praxis musical, podendo no limite encontrar-se inúmeras possibilidades de conjugação instrumental. A indicação relativa à presença de instrumentos de sopro nestes minuetes, pode ser articulada contudo com os indícios que temos de recorrência das trompas na música de conjunto.
A dimensão das danças e a presença dos sopros neste livro de minuetes remete-nos para a possibilidade de assembleias de aparato excepcional. A título de ilustração inclui-se o testemunho do Marquês de Bombelles (1744-1822), da brilhante sociedade que se reuniu na casa do Conde de Pombeiro, em Belas. Aqui a música instrumental aparece ao ar livre com grupos de músicos distribuídos pelo jardim, em salão enquadrando a poesia recitada e também como acompanhamento do baile:
“Uma sociedade numerosa e brilhante reuniu-se das cinco às sete da tarde sob os magníficos freixos de Belas; havia grupos de músicos distribuídos por diversas partes do parque. (...)
Depois de termos admirado várias salas, detivemo-nos numa onde, após uma sinfonia, se dançaram minuetes intermináveis. Para evitar problemas de etiqueta, a Senhora de Bombelles foi obrigada a abrir o baile dançando um desses minuetes; (...)
Após se ter dado início aos minuetes com o da Senhora de Bombelles foi-se dando a volta, seguindo a ordem dos lugares das Senhoras, de forma que várias não titulares dançaram antes de a Senhora Walpole, mulher do Enviado da Inglaterra, ser convidada a dançar o seu minuete. (...)
Do baile fomos ver lançar um fogo de artifício igualmente longo e enfadonho, e em seguida fomos dispor-nos sobre um terraço que se estende a todo o comprido e sobre o pátio principal da casa; este não estava iluminado senão pelo luar. Num pavilhão uma orquestra executou muito boa Música, após o que apareceram, embrulhados nos seus mantos, oito ou dez improvisadores que começaram por recitar sonetos preparados antecipadamente com muito tempo e honrados com grandes “bravos”; em seguida, as Senhoras do alto da galeria deram a estes poetas diferentes temas. (...)
Após a ceia, algumas pessoas voltaram às improvisações, outras ao baile e outras, como eu, a Lisboa. Eram cinco da manhã quando nos encontrámos em casa”.
Num contexto de recepção mais reservada refira-se o testemunho de William Beckford que recebe para jantar:
“Logo antes de ser trazido [o jantar], dancei dois ou três minuetes. Os violinos e as trompas tocaram de forma tão encantadora que fiquei inspirado com ideias musicais, mandei chamar Lima e cantei as Serene tornate pupille vezzose de Sacchini” (...).
Hebdomadário Lisbonense 1766/11/08. Para detalhes sobre o funcionamento da Assembleia Cf. Maria Alexandre Lousada, “Sociabilidades Mundanas em Lisboa. Partidas e Assembleias, c. 1760-1834” In Penélope, Lisboa, 19-20, pp.129-160, 1998; Manuel Carlos de Brito, Estudos de História da Música em Portugal, Lisboa, Editorial Estampa, 1989.
Em qualquer dos casos estamos perante traduções parciais e complementares do tratado de Pierre RameauLe Maître a Danser (1725) que se constitui como um desenvolvimento do tratado fundamental de Feuillet Choregraphie ou l’art de decrire la danse (1700), a fonte primária para traduções e adaptações subsequentes, tanto em França como noutros países.Trata extensivamente da educação do nobre para a dança, incluindo postura, vénias e elegância. Foi sobre este livro que se debruçaram mestres de dança de outras nações, incluindo a portuguesa. Cf. Daniel Tércio Ramos Guimarães, História da Dança em Portugal. Dos pátios das Comédias à fundação do Teatro São Carlos, Dissertação de Doutoramento, Universidade Técnica de Lisboa, 1996; José Sasportes, História da Dança em Portugal, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1970.
Constata-se que a Orquestra da Real Câmara é desde 1770 uma formação especialmente rica em instrumentos da família dos metais por comparação com as suas congéneres europeias (Cf. Joseph Scherpereel,, A orquestra e os instrumentistas da Real Câmara de Lisboa, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985 e Jorge Matta, A Música Orquestral em Portugal no século XVIII”, dissertação de doutoramento apresentada à FCSH-UNL 2006: 47-50). Também as formações instrumentais que se registam nos manifestos da Irmandade de Santa Cecília, relativas a funções sacras apresentam invariavelmente duas trompas, independentemente do número de violinos (Cf. Vanda de Sá, Circuitos de Produção e Circulação da Música Instrumental em Portugal entre 1750-1820, dissertação de doutoramento apresentada à Universidade de Évora 2008: 100-102. http://hdl.handle.net/10174/2812). Num âmbito mais restrito e tardío refira-se de António da Silva Leite, Seis Sonatas de Guitarra com acompanhamento de hum violino e duas trompas ad Libitum offerecidas a S. A. R. a Senhora D. Carlota Joaquina Princeza do Brasil. Porto: na Officina de Antonio Alvarez Ribeiro, 1792.
Marquis Marc-Marie de Bombelles, Journal d'un ambassadeur de France au Portugal, 1786-1788. (ed. Roger Kann). Paris: Fondation Calouste Gulbenkian, Publications du Centre Culturel Portugais / Presses Universitaires de France, 1979 : 141-142. 1787/07/04). Tradução de Rui Vieira Nery.
William Thomas Beckford, The Journal of William Beckford in Portugal and Spain, 1787-1788 (ed. Boyd Alexander), Londres: Rupert Hart-Davis, 1954 : 197. (3 Set. 1787). Tradução de Rui Vieira Nery. Refere-se ao compositor Jerónimo Francisco de Lima (1743-1822).