Poema sinfónico em forma de variações sobre um tema oriental
"Vathek é um poema sinfónico em forma de Tema e Variações composto em 1913 por Luís de Freitas Branco. Inspira-se no livro homónimo do escritor William Beckford, em particular na representação dos cinco palácios dedicados ao despertar dos sentidos do desregrado Califa.
Tal como aconteceu com outras criações suas, a partitura foi sujeita a profundas revisões na fase final da carreira. Ainda assim, a mesma só veio a ser integralmente estreada postumamente, já em 1961, pela Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional. Teria sido interessante «escutar» as reações à célebre Variação III, caso esta tivesse sido tocada em público nas décadas anteriores."
A Ásia representou durante muitos séculos para a Europa um universo cultural e geográfico cuja distância era suficientemente tangível para alimentar mitologias, com a criação de imaginários fabulosos ancorados em cenários pretensamente críveis. Nesse sentido, o Orientalismo é, em grande medida, uma invenção do Ocidente, como bem o demonstra o ficcionismo literário que nos remete para mundividências onde convergem a honra, o despotismo, a sensualidade e a luxúria. Uma das obras que melhor ilustra essa atração pelo exotismo é «Vathek» de William Beckford (1760-1844). A figura romântica deste escritor inglês tornou-se-nos particularmente familiar, já que passou longas temporadas na região de Sintra quando se viu forçado a afastar-se de Londres em virtude dos escândalos amorosos em que se envolveu. Mas este seu primeiro livro havia sido publicado em 1786 em Lausana, originalmente em língua francesa. Inspira-se nas
Mil e uma Noites e conta a história de um «califa das arábias» que sacrifica o seu povo e a própria integridade moral numa busca incondicional pelo prazer e pela sabedoria. À semelhança de Fausto, termina subjugado diante da figura do demónio.
Freitas Branco não procurou percorrer a linearidade narrativa do texto no seu poema sinfónico. Em vez disso, optou por focar-se nos cinco palácios que o califa mandou construir, cada um deles dedicado ao culto dos diferentes sentidos. Primeiro o paladar, entre manjares e bebidas espirituosas. Depois a poesia e a música. Também a pintura e a escultura, e ainda o olfacto, entre os mais variados perfumes. Por fim, a sensualidade e o erotismo. Tudo isto, uma vez recreado numa obra sinfónica imponente, irrompe com uma fanfarra introdutória e a apresentação de um tema melódico principal, o qual é emprestado do primeiro volume da História da Música de August Wilhelm Ambros, publicado em 1862. O prólogo anuncia então as tais cinco variações que constituem o núcleo da obra. Em conjunto, estas atravessam sonoridades muito diversas, desde o impressionismo que prossegue o poema sinfónico que Freitas Branco havia composto três anos antes, Paraísos Artificiais, até à imponência expressiva do romantismo musical mais tardio. Assiste-se igualmente a experimentações que ecoam as tendências modernistas daquela época. O caso mais explícito é a breve e enigmática terceira variação, essa mesma onde se instala um atonalismo dilacerante. O efeito é obtido por intermédio de uma textura fugada com mais de meia centenas de «vozes» que se distribuem pelo naipe das cordas. Por fim, o Epílogo assume-se enquanto apontamento conclusivo sobre a moral e a conduta repreensível do protagonista. Substancia a expressão do desencanto numa indiscreta ausência dos acordes triunfantes que se esperariam de uma obra sinfónica de tamanha grandeza.
Rui Campos Leitão
Instrumentação
Flauta I
Flauta II
Flauta III / Flautim I
Flauta IV / Flautim II
Oboé I
Oboé II
Corne inglês
Clarinete (Si Bemol) I
Clarinete (Si Bemol) II
Clarinetto basso (Si Bemol)
Fagote I
Fagote II
Contrafagote
Trompa (Fá) I
Trompa (Fá) II
Trompa (Fá) III
Trompa (Fá) IV
Trompete (Dó) I
Trompete (Dó) II
Trompete (Dó) III
Trompete (Dó) IV
Trombone I
Trombone II
Trombone baixo
Tuba
Tímpanos
5 Percussionistas
Pratos
Bombo
Triângulo
Tambor
Tam-tam
Castanholas
Celesta I
Celesta II
Harpa I
Harpa II
Violino I
8 Estantes – Div. a 16
Violino II
8 Estantes – Div. a 16
Viola
4 Estantes – Div. a 8
Violoncelo
4 Estantes – Div. a 8
Contrabaixo
3 Estantes