Escrevi O Canto das Ilhas em Janeiro de 2010 a pedido da Sandra Medeiros e do Francisco Sassetti, para um recital nos Açores. Dado o contexto da estreia, resolvi pegar em melodias populares das diversas ilhas, e construir um ciclo de seis canções de concerto. Deixei intactas as melodias originais, com a excepção da segunda “Charamba”, que é, de certo modo, uma recriação minha da melodia popular, da qual quase só mantenho o ritmo, alterando tudo o resto, e de “Demo”, cuja rítmica expandi. O ciclo vai em crescendo, dinâmico e agógico do princípio ao fim, alcançando a sua apoteose na extraordinária melodia “Demo”, que literalmente faz implodir qualquer ideia de ritmo regular. No entanto, embora não totalmente fiel à letra dos originais, creio que consegui manter o espírito que emana destas melodias excepcionais. Nos dias de hoje penso que não faz sentido manter estes materiais na sua forma original, como se de um dogma se tratasse, pelo menos no que a recriações eruditas diz respeito. Todas elas estão catalogadas e salvaguardadas na sua forma original para todos quantos as queriam estudar, ou interpretar à maneira popular. Creio que o papel do compositor erudito é diferente. Qualquer arranjo já “desnatura” o original, e a minha função não é dar a conhecer a tradição ao público (que para isso contará com grupos especializados, ou recolhas de campo), mas antes dar a esse mesmo público a minha visão das melodias tradicionais, empregando para isso todos os meus recursos criativos, recursos esses que incluem a adulteração positiva, e a metamorfose.