A música
Quanto às minhas ideias sobre o caminho que um compositor deve seguir, resta-me dizer
que a nossa personalidade tem as suas leis.
Devemos estar atentos ao que se passa à nossa volta e aderir sem forçar ao que melhor
convier em relação ao nosso íntimo.
A sinceridade é tão necessária ao artista como a luz numa païsagem.
Assim se expressou Berta Alves de Sousa ao encerrar a “2ª Audição” das suas obras, no Conservatório
de Música do Porto, a 17 de Julho de 19691. Nessa mesma ocasião, manifestou o seu desejo de
explorar “novos processos de expressionismo”, partilhando com o público o seu entusiasmo:
“Logo que me seja possível, vou tentar”.
A abertura de espírito e a honestidade podem certamente ser dadas como atributos de Berta
Alves de Sousa, que, na sua produção coral, tanto espelhou o contexto em que esta foi nascendo,
como se manteve fiel à sua singular sensibilidade. Na sua obra, o sabor folclórico, as referências
medievais ou as harmonias tipicamente impressionistas, ou também agregados já bastante ásperos,
convivem lado a lado, sem que daí resulte conflito. Assim, em nome da fluência melódica de cada
voz, pode, por exemplo, um acorde de 7.ª maior ser sucedido por uma 5.ª vazia que logo progride
para um acorde menor com 6.ª acrescentada ou para um aumentado, ambos muito comuns no
seu idioma. Só mesmo um compositor muito sólido consegue lidar de forma tão livre com tão
grandes variações de densidade intervalar.
O facto de Berta Alves de Sousa ter privilegiado a escrita para coro feminino deve-se ao intenso
e contínuo contacto que travou com o Grupo Musical Feminino, no Conservatório de Música do
Porto, onde era professora.
Embora só mesmo a obra Desejo contenha especificamente a indicação, na fonte manuscrita
autógrafa, de que é para “Coro ou Quarteto”, parece-nos que muitas das restantes obras podem
igualmente resultar com formações de solistas.
A transposição um tom e meio acima de Sonho, que se apresenta nesta edição, após a versão
original, visa adaptar também esta obra às vozes agudas, tomando em conta que a distribuição
de registos original é hoje em dia pouco comum. A obra foi estreada em Aveiro, na Fábrica Alleluia,
em 1969, tendo a escolha de naipes original resultado provavelmente de contingências do Coro
Alleluia que nessa ocasião a cantou, e que a pode inclusive ter encomendado à compositora com
estas específicas características.
Quanto à última obra incluída nesta colecção, Dístico, completou-se a parte que cremos perdida,
o que não resultou difícil, dado esta composição estar construída fundamentalmente sobre processos
de eco entre ambos os coros.
Vasco Negreiros