Três cantos para uma memória
Esta obra presta homenagem à grande figura da música portuguesa que foi Fernando Lopes-Graça, reconhecido justamente como o mais genuíno intérprete das nossas raízes musicais. Centenas de melodias tradicionais por ele recolhidas e recriadas fazem hoje parte do património dos nossos grupos corais. Muitas outras canções inspiraram também inúmeras outras peças instrumentais, a solo ou em orquestra, passando por variadas formações de câmara.
Também aqui, é a mesma realidade da música tradicional portuguesa que se encontra por detrás destes três “cantos”. Não na perspectiva mais comum de uma harmonização, arranjo ou variação, mas sobretudo como presença implícita, no interior de cada camada ou textura. Um breve Prólogo, orquestral, abre espaço para os três andamentos em que a obra se articula. Cada um deles glosa de forma muito subtil e aberta os sugestivos ambientes de três singulares obras corais do mestre Lopes-Graça: “Milho verde”, “Do varão nasceu a vara” e “Acordai”. Completamente diluídos nas texturas pianísticas do primeiro; em jeito de paráfrase, no segundo; ou prolongados nas implicações rítmico-harmónicas do terceiro; estes “cantos” constituem a singela homenagem de um compositor para quem os valores implícitos na obra de Lopes-Graça constituem também um traço de carácter. Pela afirmação de alguma coisa que, sendo parte de nós, nos afirma e nos distingue.
“Três Cantos para uma memória” foi composta em 1996, estreada pela pianista Elsa Silva no Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim em 2003, e posteriormente gravada em CD pela Numérica.
Fernando C. Lapa