Xipra, para flauta solo, insere-se num ciclo de obras a solo para diversos instrumentos, que iniciei com Hornpipe (1997/rev.1999) para trompa, e que, entretanto, cresceu consideravelmente, incluindo já Chirimia (2002/rev.2012) para oboé [ou saxofone-soprano], Alboque (2011) para clarinete, Conn-O-Sax (2015) para saxofone-alto, estando ainda em projecto outras novas obras a acrescentar no futuro próximo, nomeadamente para marimba, fagote e acordeão, entre outros.
A principal característica deste ciclo é o elevado grau de virtuosismo exigido ao executante, quer pelo uso de técnicas especiais de entre as mais modernas para cada instrumento (como registos extremos, quartos-de-tom, flatterzunge, multifónicos, etc…), quer pela endurance necessária à sua execução. Mas tudo isto é aliado a uma escrita deliberadamente fantasiosa e, pelo menos aparentemente, muito livre, quase improvisativa, apesar da notação ser extremamente rigorosa. Assim, um dos intuitos destas obras é igualmente apelar à imaginação do intérprete, que, com a sua leitura única e individual da partitura, contribui também para a obra musical definitiva.
Sendo um verdadeiro work in progress, que pretendo desenvolver ao longo da minha carreira composicional, este ciclo traz imediatamente à ideia um seu famosíssimo antecessor, as Sequenzas de Luciano Berio, de que não renego a influência, principalmente pelo aspecto mais “lírico” da sua escrita. Na verdade, também eu, nestes meus “solos”, tentei, entrementes todo o virtuosismo, incutir um certo lirismo à escrita, que porventura advém da minha naturalidade mediterrânica e da luminosidade que é tão típica aos países do sul da Europa.
Especificamente, o termo xipra (ou xipro, consoante as fontes) refere-se a uma flauta de pã utilizada tradicionalmente pelos amoladores galegos e portugueses, com que se faziam anunciar na sua chegada aos povoados. Utilizada por estes artesãos desde há séculos, é normalmente construída a partir de um único bloco de cana de bambu, tendo sido mais recentemente substituído por material plástico. O toque inconfundível dos amoladores tornou-se memória cultural colectiva incontornável das gentes do norte de Portugal e da região espanhola da Galiza.