Como último mestre da Capela Imperial (1875-1889), Hugo Bussmeyer é uma personalidade que mereceria ser mais considerada na nossa história da música. É um vulto exponencial na história cultural das relações entre a Alemanha e o Brasil e na história da influência alemã no II Império, sobretudo também na da música sacra do período da restauração, assim como na da reforma interna do ensino teórico no Conservatório Imperial de Música. Também deveria ser analisada no âmbito de uma história das relações euro-interamericanas e da recepção internacional da obra de Beethoven, sobretudo nos EUA e no Brasil. Teve uma excelente formação, primeiramente com o seu pai, um cantor lírico, depois com os prestigiados professores, músicos, compositores e teóricos H. Ch. Litolff e Methfessel, e, sobretudo, com o extraordinário regente Hans von Bülow. Já daqui pode-se estabelecer os seus círculos de contactos e a sua situação estética. Através de Litollf teve desde cedo uma formação cosmopolita. O seu professor tinha elos familiares com a Inglaterra e artísticos com a França, onde faleceu em 1891. Fora aluno de Moscheles e fizera uma carreira brilhante de pianista-virtuose (França, Polonia, Áustria). Foi famoso como intérprete de Beethoven. Também foi grande amigo de Hans von Bülow, tendo até mesmo se asilado numa ocasião na casa de seus pais, além de Liszt, Cornelius e Berlioz. Litolff foi uma grande figura de virtuose da época de Chopin e Liszt e um músico que procurava unir a técnica à profundidade artística, fugindo da superficialidade brilhante de outros virtuoses, tais quais Herz, Hünten ou Thalberg. O seu ideal estético centralizava-se na concepção de unidade na diversidade dos contrastes no sentido da época do redescobrimento de Beethoven.
Fascinante é a trajectória de vida de Bussmeyer como concertista, que o levou a diversos países dentro e fora da Europa (Paris, New York, cidades sul-americanas) e que o coloca no rol dos vários músicos e compositores europeus que viajaram pelo mundo no século XIX, fortalecendo os laços interculturais. Chegou a residir em Nova Iorque e ali actuar como professor de piano numa época de florescimento da influência alemã na vida música norte-americana e do entusiasmo por Beethoven (1867). Sabe-se que se apresentou a D. Pedro II já em 1860), e a simpatia do nosso imperador pela música alemã parece ter-lhe favorecido grandemente a sua vida posterior no Brasil. Foi nomeado mestre da Capela Imperial (1875) logo após o seu estabelecimento no Rio de Janeiro. Em 1879, cinco anos após ter assumido a cadeira de Regras de Acompanhamento e Órgão no Conservatório Imperial de Música (1874-1880), apresentou à família imperial uma "ópera sacra" de título "São Pedro" no então prestigiado Cassino Fluminense (seria necessário aqui analisar essa obra sob a perspectiva de oratório). A protecção imperial manifestou-se também na outorga da Ordem da Rosa, na qualidade de Cavaleiro, em 1885. A sua acção pedagógica na elevação do nível teórico do ensino do Conservatório Imperial de Música tornou-se evidente na publicação de um tratado de harmonia, em 1875, um ano após ter assumido a cadeira de Acompanhamento. Do ponto de vista litúrgico-musical, representou uma fase da Capela Imperial na qual a tradição orquestral já estava sendo abalada pelo novo interesse dedicado ao órgão e à "restauração sacro-musical" promovida por certos círculos da Corte. Tudo indica, aqui, um certo vínculo com círculos da Princesa Isabel, o que, porém, necessitaria ser investigado com mais cuidado. O seu meio sócio-cultural foi sobretudo o da colonia de língua alemã do Rio de Janeiro, conhecida pelo seu interesse e pelas suas actividades culturais e artísticas. Centro das actividades era o Club Beethoven, e Bussmeyer, sendo um especialista em Beethoven devido à sua formação com Litolff, não poderia ter deixado de exercer aqui uma função exponente. Também este é, porém, um ponto a ser fundamentado através de pesquisas pormenorizadas.
Apesar do pouco que se sabe a respeito da vida de Bussmeyer, pode-se delinear uma imagem de sua personalidade e de sua acção: oscilava entre uma atitude romântica e um desejo de aventuras, vinculando-se a tendências estéticas que valorizavam a expressão de sentimentos profundos mas que procuravam evitar o sentimentalismo e o que hoje se diria Kitsch. Distinguia-se pela sua formação técnica e estética - sobretudo pela sua tendência beethoveniana - das correntes italianizantes da música do Rio de Janeiro e do Conservatório (por ex. G. Giannini). Apreciava conhecer novas pessoas, evitando porém intrigantes, invejosos e sensacionalistas, tão comuns no meio musical, o que parece ter causado situações sentidas como injustas e o levado a uma espécie de isolamento voluntário. Para o seu próprio equilíbrio e serenidade necessitava retirar-se do mundo exterior. Na época de sua juventude foi dinâmico e empreendedor, com o passar dos anos porém procurou sobretudo o aprofundamento e a solidez com relação a fundamentos teóricos e assuntos espirituais. Foi um professor inato e um conselheiro em questões estéticas. As suas dificuldades no Rio de Janeiro foram, ao que parece, devidas a esse retraimento e a uma certa temoridade e insegurança derivadas de sua personalidade e de sua situação como estrangeiro, o que o levou a evitar conflitos.
Prof. Dr. A. A. Bispo
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