Joaquim da Costa Chicória (1875-1951)
Joaquim da Costa Chicória nasceu em Vizela, no dia 25 de dezembro de 1875, no seio de uma família de alfaiates, profissão que ele mesmo viria a abraçar anos mais tarde e que desempenharia, por alguns anos, de forma alternada com a de músico, de forma a fazer frente aos seus compromissos financeiros.
No tempo da vida do compositor, dá-se em Vizela uma série de acontecimentos de extrema importância para o progresso e desenvolvimento da região, a saber: em 1873 dá-se a criação da fundação da companhia dos banhos de Vizela que em 1881 contando Joaquim da Costa Chicória seis anos, já os balneários das termas recebiam anualmente 4400 aquistas, contribuindo assim para o surgimento de hotéis, pensões, cafés, restaurantes, farmácias, casinos, salas de cinema, a realização de quermesses, batalhas de flores, bailes, concertos, touradas, chás dançantes, e ainda terra de privilégio para a passagem de férias de famílias portuguesas e estrangeiras;
em 1877, é criada a corporação dos Bombeiros Voluntários de Vizela; a inauguração do telégrafo em 1878; a criação da Filarmónica Vizelense em 1882; a inauguração em 1883, do caminho-de-ferro e, de 1884 a 1886 deu-se a construção do parque das termas em local privilegiado, banhado pelo rio Vizela, contendo para além de muitos espaços verdes, um coreto que ainda hoje existe e, onde sobre a direção do compositor a banda dos bombeiros voluntários de Vizela, também designada por dos Chicórias uma vez que, os elementos que a constituíam eram na sua maioria familiares do maestro, davam concertos regulares durante os verões. Em relação à sua formação musical, sabe-se que se iniciou com o estudo do cornetim, presumivelmente numa banda filarmónica conhecida como a Banda do Pereira, de Riba de Ave, embora seja do conhecimento geral que tocou com alguma desenvoltura piano e violino, ambos de forma autodidata.
Muito embora Joaquim da Costa Chicória aproveitasse os seus dotes ao piano e ao violino para, inserido em grupos de câmara, realizar inúmeros concertos nas temporadas de banhos de Vizela, a suas verdadeiras paixões encontravam-se na direção musical e na composição, atividades pelas quais foi amplamente reconhecido. De uma criatividade muito fecunda, tudo lhe servia de mote de inspiração. No entanto, foi na Praça da República, no Parque e no Rio Vizela que encontrou a inspiração mais feliz, da qual saíram belíssimas peças, destacando-se a sua obra mais emblemática «Os Murmúrios do Vizela».
Júlio Damas, ilústre vizelense em notícia publicada no Notícias de Guimarães em 10 de Maio de 1953 afirma o seguinte sobre o compositor: “por iniciativa da Real Associação dos Bombeiros Voluntários de Vizela prestou-se uma modestíssima homenagem ao vizelense, maestro-compositor, Joaquim da Costa Chicória… descerrando-se uma lápide de homenagem na casa onde faleceu o Mestre… privei de perto na intimidade do Mestre Chicória. Fizemos de parceria três ou quatro obras. Eu uns modestos versos; ele uma música suave e harmoniosa como o Hino a S. Bento, Hino das Azenhas Novas, Reis de 1945, etc…tendo dado provas de grande executante de música, dedicou-se à composição da mesma… eis a longa lista das suas obras: Marchas, 400; Fantasias, 40; Overtures, 5; Sinfonias, 20; Rapsódias, 17; Valsas, 40; obras diversas, 50; Marchas fúnebres, 8. Somam 580 obras. Além disso tem mais de 300 composições várias”.
Sobre esta obra “Os murmúrios do Vizela”, original para banda filarmónica, agora editada em versão transcrita para orquestra sinfónica pela AVA, resulta da encomenda realizada ao compositor Lino Guerreiro por parte da Fundação Jorge Antunes (Vizela). Não se sabe ao certo qual o ano da composição, podemos, contudo, situá-la, com alguma convicção, entre a década de vinte e os primeiros anos da década de trinta. Sem dúvida a mais emblemática, e das mais longas, cerca de 20 minutos de duração. Foi-me possível identificar nos arquivos da banda de música dos empregados da carris de Lisboa, uma cópia manuscrita por Amadeu Augusto Barbosa datada de 24 de Janeiro de 1935. Contudo, mais do que a existência de cópias oriundas de meados da década de trinta, julgo determinante a escrita madura e experiente que presenciamos quando desfolhamos a partitura. Esta trata-se sem dúvida, de uma obra já da maturidade do compositor e por isso mesmo gozou de uma ampla circulação. Nela é-nos possível constatar, uma predisposição particular para uma postura descritiva musical, quase programática, aliada a um sentido frásico melódico refinado e, de certa forma, estilizado. O domínio da orquestração e da sucessão de planos é total. Chicória designou, sugestivamente a obra de pot-pourri, conjunto heterogéneo de momentos, sob o título genérico de murmúrios do rio que atravessa Vizela e que lhe empresta o nome. Efetivamente, estamos perante uma peça construída por um agregado de verdadeiros quadros musicais ilustrativos do pulsar do quotidiano de uma terra que se desenvolveu nas margens do Vizela.
Joaquim Ribeiro