“Le Foncé Ciel de la Nuit Glacée” (2008)
As notas de programa são, ao mesmo tempo, vantajosas e desvantajosas para o compositor. Dão e omitem informações que devem e/ou não devem ser reveladas. Mas constituem um veículo importante para a comunicação entre o público e o compositor.
Assim uma obra musical não deverá ser programática para não perder a sua identidade artística. No entanto, a descrição é algo que, intuitivamente, está no imaginário do compositor e do ouvinte, naturalmente. Como a música carece de um vocabulário próprio, ela vai pedindo de empréstimo uma e outra palavra às outras artes e ao quotidiano. A peça então transforma-se e toma forma de uma linguagem abstracta do pensamento e dos sentimentos de quem a compõe, para quem a toca e, em última instância, para quem a ouve.
Num processo introspectivo, individualista e algo doloroso, esta peça é tecida no tempo com o pensamento no frio, na chuva e no gelo que fazem lá fora, atrás daquela janela que olho à noite, vezes sem conta, durante o processo criativo. Facilmente a música me transporta para um frio ainda mais frio e uma chuva ainda mais gelada das noites das terras altas, onde o aquecimento global parece dar os seus primeiros sinais. Parte-se o gelo, deslizam as águas e todo um planeta se transforma... Parte-se a vida, cresce-se, inicia-se uma nova etapa – a vida real.
É nesta dialéctica entre a criação e a vida que surge o discurso de Le Foncé Ciel de Ia Nuit Glacée.
Ana Seara, Abril de 2008