Variações em oiro e azul (2006), para orquestra.
Palavras, imagens, formas, cores, gestos, movimentos. A música também trata disso. Mesmo quando o não assume. Nem sempre é um programa. E por vezes não há história nenhuma.
Gosto de pensar que a música que faço é animada por rostos, lugares, maneiras de ser e de estar. Por olhares. Abstracta por natureza, mas em diálogo com o que a rodeia. Mesmo quando é um exercício especulativo sobre um qualquer aspecto técnico. Da mesma forma que a Arte da Fuga será sempre incomensuravelmente mais que uma fabulosa construção contrapontística.
Estas Variações em oiro e azul giram à volta do eterno fascínio do mar. E do diálogo com a terra. Por isso, no final da obra, se misturam as cores e os planos, numa sucessão contrastada que os aproxima e confunde.
Imensidão, majestade, perenidade, grandeza são as minhas palavras para semelhante fascínio. Esta música pretende tocar esse antigo mistério. Visto também a partir da lonjura das serras, que me alargaram os horizontes, desde criança.
É uma obra de amor pela natureza, sem dúvida. Mas povoada por pessoas. E referências. Muitas.
Em jeito de graça se dizia que alguns transmontanos – das Fisgas de Ermelo – viam, fascinados, do Alto do Velão, o espesso manto de nevoeiro que cobria os vales profundos, até longe... Era o “seu” mar!
De A-Ver-o-Mar a Esposende, vem-me à memória um poema inesquecível de Eugénio de Andrade: “tu perguntas e eu não sei, eu também não sei o que é o mar”…
E vejo a serra do Marão, no seu imponente e majestoso dourado de um fim de tarde de Agosto, subindo para a Pousada.
E Miranda Mourão, numa das minhas canções mais antigas: “a paz era o mar / por onde todos os navios / chegavam / multicores / de todos os lugares chegavam / e era belo”.
Ou o fantástico plano final de “Sabores”, um filme de Saguenail. A câmara varrendo pacientemente a crista das montanhas do nordeste transmontano, num contra-luz doirado de pôr-do-sol. De silêncio. Inesquecível.
Ou o silêncio das águas, do alto de Arrifana, no sudoeste.
Schumann e Mozart viajam comigo desde que me lembro de música. Com o primeiro, aprendo a poética da pequena forma. Onde, bocadito a bocadito, encontramos os pedacinhos do nosso mundo. Os nossos. Como em “A surpresa dos instantes” do Joaquim Fidalgo.
A partir de Mozart, a minha procura obstinada da simplicidade. Ou da escandalosa evidência da perfeição. A verdade das coisas, tais como são. A justiça. Como na “Arte poética” de Sophia.
Posso fazer um roteiro de viagem, para estas Variações:
· o Marão, lá no alto, soberano... (2')
· de A- Ver-o-Mar a Esposende... (3')
(sobre um verso de Eugénio de Andrade \". . . eu também não sei o que é o mar. . . \")
· pela crista das ondas, nas serras do nordeste. .. (2')
(sobre um plano de \"Sabores\", de Saguenail)
· Arrifana. Lá em baixo, o mar parado... (3')
· \"a paz era o mar\"... (2 ' 30\")
(sobre um verso de Miranda Mourão)
No fim de tudo, os sons. Ainda palavras, imagens, formas, cores, gestos, movimentos.
Sons habitados.
Esta obra foi encomendada pelo Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim. É-lhe, justamente dedicada, na pessoa do seu director Prof. João Marques. Como pequeno gesto de reconhecimento por repetidos traços de distinção. Em nome da música portuguesa que se obstina a incentivar e divulgar.
Fernando C. Lapa
Porto, Maio de 2006
Instrumentação:
2 Flautas
2 Oboés
2 Clarinetes em Sib
2 Fagotes
2 Trompas em Fá
2 Trompetes em Dó
Tímpanos
Percussão
2 Pratos suspensos
Glockenspiel
Violino I
Violino II
Violeta
Violoncelo
Contrabaixo